Encontrei-a em um dia escuro de Agosto. Algo em mim
mobilizara-se. Não sabia do que se tratava. Talvez um pormenor de surpresa.
Tentava compreender, discernir. Porém, um rosto se imprimia em meu ser sem
permitir defesa. Um rosto que gerava um semblante incompreensível. Não sei lhes
dizer se de dor ou de desencontro, de alheamento. Com convicção não era uma
máscara dessas que nos colocam no rosto, para que nos represente no circuito
existencial e social, forjada por nossos laços parentais. Apenas um rosto que
denunciava um enredo triste e de profunda angústia. Perplexo com aquele quadro
que só podia ser humano e mais nada, perguntei-lhe, “o que a trazia até mim”?
Deu-me um sorriso vago e imediatamente, disse-me: “você é um assassino.”
Lágrimas sem gemido, sem nenhuma afetação, caíram sobre aquele rosto jovem, mas
já com rugas denunciantes de uma vida acostumada ao trágico.
Sua fala chamando-me de assassino indicou-me que ela tinha
intenções premeditadas. Talvez, um eu de dor teria de ser eliminado ou
subtraído para uma outra convenção existencial ou, até, para um desempenho de
vida menos submetido à ênfase da carência.
À medida do tempo e dos dias sinalizava-se que ela, inteligente
e muito sensível, pedia que a compreendesse, quanto a um seu sentimento, a uma
constatação: seu desamparo. Pois tinha pai e não tinha; tinha mãe e não tinha.
Tem pai, vaidoso e abastado. Tem mãe, de soberba rara em alguém.
Emergente em nossos encontros e paralelamente a esses,
aparecia um novo estar-no-mundo, uma nova modalidade de viver. A agressividade,
o desequilíbrio e os gritos reivindicantes deram lugar a um relativo e pequeno
apaziguamento. Esse estado de menos perturbação e de mais perplexidade,
precipitava menos busca paterna, e essa, até então, interminável busca sempre
dava na ironia e na indiferença. Convictamente, esse precedente, o curto
circuito mais atroz ao qual o homem possa estar submetido. Pois, impedidor de
futuro com paz razoável. Aquém ou além do registro desse pai fomentador de
desespero, havia a mãe que impedia sentimento de amparo, facilitador de
esperança.
Ela se consignava em mim para fazê-la viver. Eu permitia. Eu
a recepcionava e sugeria novo script. E, assim, nos convencíamos de soluções.
Forjávamos sentimentos outros, que não aqueles do drama paterno. Provocávamos
da mesma vida, uma vida outra.
Criança chorava dia e noite. Evento, que denunciava uma
congestão de afetos sem significação para o caminho da gestão da vida com
sentido. Hoje, são possíveis sorrisos motivados. Vê-se a expressão de um rosto
recipiente de conteúdos plausíveis, num rosto com rugas que perfazem o “mapa”
de um viver retomado, resgatado, vetorizado e valorizado para um amanhã que
acontecerá pleno.
Eu fiquei e ela se foi. Eu sem saudade e ela com vontade de
viver. Talvez, podendo olhar para traz sem dor.
Alberto Pantoja
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