terça-feira, 22 de novembro de 2011

Rosto Vago


Encontrei-a em um dia escuro de Agosto. Algo em mim mobilizara-se. Não sabia do que se tratava. Talvez um pormenor de surpresa. Tentava compreender, discernir. Porém, um rosto se imprimia em meu ser sem permitir defesa. Um rosto que gerava um semblante incompreensível. Não sei lhes dizer se de dor ou de desencontro, de alheamento. Com convicção não era uma máscara dessas que nos colocam no rosto, para que nos represente no circuito existencial e social, forjada por nossos laços parentais. Apenas um rosto que denunciava um enredo triste e de profunda angústia. Perplexo com aquele quadro que só podia ser humano e mais nada, perguntei-lhe, “o que a trazia até mim”? Deu-me um sorriso vago e imediatamente, disse-me: “você é um assassino.” Lágrimas sem gemido, sem nenhuma afetação, caíram sobre aquele rosto jovem, mas já com rugas denunciantes de uma vida acostumada ao trágico.
Sua fala chamando-me de assassino indicou-me que ela tinha intenções premeditadas. Talvez, um eu de dor teria de ser eliminado ou subtraído para uma outra convenção existencial ou, até, para um desempenho de vida menos submetido à ênfase da carência.
À medida do tempo e dos dias sinalizava-se que ela, inteligente e muito sensível, pedia que a compreendesse, quanto a um seu sentimento, a uma constatação: seu desamparo. Pois tinha pai e não tinha; tinha mãe e não tinha. Tem pai, vaidoso e abastado. Tem mãe, de soberba rara em alguém.
Emergente em nossos encontros e paralelamente a esses, aparecia um novo estar-no-mundo, uma nova modalidade de viver. A agressividade, o desequilíbrio e os gritos reivindicantes deram lugar a um relativo e pequeno apaziguamento. Esse estado de menos perturbação e de mais perplexidade, precipitava menos busca paterna, e essa, até então, interminável busca sempre dava na ironia e na indiferença. Convictamente, esse precedente, o curto circuito mais atroz ao qual o homem possa estar submetido. Pois, impedidor de futuro com paz razoável. Aquém ou além do registro desse pai fomentador de desespero, havia a mãe que impedia sentimento de amparo, facilitador de esperança.
Ela se consignava em mim para fazê-la viver. Eu permitia. Eu a recepcionava e sugeria novo script. E, assim, nos convencíamos de soluções. Forjávamos sentimentos outros, que não aqueles do drama paterno. Provocávamos da mesma vida, uma vida outra.
Criança chorava dia e noite. Evento, que denunciava uma congestão de afetos sem significação para o caminho da gestão da vida com sentido. Hoje, são possíveis sorrisos motivados. Vê-se a expressão de um rosto recipiente de conteúdos plausíveis, num rosto com rugas que perfazem o “mapa” de um viver retomado, resgatado, vetorizado e valorizado para um amanhã que acontecerá pleno.
Eu fiquei e ela se foi. Eu sem saudade e ela com vontade de viver. Talvez, podendo olhar para traz sem dor.

                                                                                                                                 Alberto Pantoja

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