quarta-feira, 9 de novembro de 2011

A consulta

A madrugada era chuvosa. Chuva fina e insistente. O frio era suportável. Os bichinhos de luz e mariposas voavam tirando fino da lâmpada acesa. O silêncio fazia o tempo demorar a distanciava a aurora do dia seguinte.
Durante vários dias, Irina havia estado muito calada, e, ao insistirem com ela, acabou confessando haver entrado numa persistência nostálgica.
_ Agradeça à sua perseverança disse-lhe, naquele dia, Mateus, gerente do supermercado Ênfase. Irina, não tinha dúvida, havia algum tempo, entregava-se a uma nostalgia onírica. Ressaltava o passado o que havia feito; o que deixara de realizar. Pensava que o seu hoje era exatamente a atualização de tudo: dores, amarguras, mas também algumas coisas boas.
Naquela madrugada lia por um tempo e fazia suas orações por outro tempo. Assim:
Pai nosso que estais no céu. Santificado seja o vosso nome. Venha a nos o Vosso Reino...
Nossa Senhora da Abadia, Mãe de Deus, Faça com que eu guarde um coração de criança, puro e transparente. Como uma fonte. Dá-me um coração simples que não queira saborear o pessimismo; um coração magnânimo para dar, carinhoso para a compaixão. Um coração fiel e generoso...
Do livro Os anos de aprendizado de Wilhen Meister, de Goethe, encantara-se com um poema e começou imediatamente a escreve-lo:
Só quem conhece a nostalgia
Sabe de que padeço !
A sós e à margem
De todas as alegrias,
Para o firmamento
Volto meu olhos.
Ah! Quem me ama e me conhece
Está distante.
Sinto vertigens, um fogo queima.
Em minhas estranhas.
Só quem conhece a nostalgia
Sabe de que padeço.
Em seguida rabiscou o papel desenhando uma máscara e escreveu: Todos os rostos se transformam em máscaras. Fantoches que tentam fazer sucumbir à verdade. Almas pálidas e envergonhadas. Carentes...
Ao levantar-se da poltrona caminhou até a cozinha para tomar chá verde, bom para o colesterol, dissera-lhe, seu amigo Mateus, gerente do Ênfase. Lembrou-se que cedo, pela manhã, precisamente às 8 horas, teria sua primeira consulta com o psicanalista indicado por Mateus. Dormiu e sonhou que o, 'Ênfase passava por um processo de prevenção de perdas'. Acordou, pensando, que 'prevenir perdas é o sentido da vida'.
_ Pois bem, fale-me de você. Fale tudo o que passar por sua cabeça - disse o psicanalista. Com um semblante que indicava, capacidade de espera... Paciência.
Irina parecia não estar nesse mundo. Como recurso para dar conta, olhava cada ponto do consultório: luz de penumbra, mesa que comportava livros, poltronas, estantes com livros bem desarrumados e por ultimo fixava olhar nos óculos e nos cabelos desalinhados daquele senhor com seus, mais ou menos, 55 anos.
_ Pois bem, então, o que lhe aflige?
_ Foi muito difícil sair de casa para vir até aqui, exclamou Irina.
_ De Fato, caminhar na direção do próprio encontro, é mesmo, muito difícil, acentuou, o psicanalista. Continue. Incentivou.
_ Sabe, tenho 44 anos e dez anos para cá, minha vida mudou muito, pois o sofrimento me abotoou. Não me deixou ser a mesma de antes. A angústia e a amargura, são a minha agrura cotidiana. Não durmo direito, não descanso e só penso que tudo não vale a pena.
_ Como era antes? Argüiu o profissional das mentes perturbadas.
_ Era melhor. Brinquei muito na minha infância. Compreendia a vida, como o palco da felicidade. Jamais tive o sentimento de que seria inevitável a vivência de desamparo; e, que, a solidão, nos espreita o tempo todo.
O psicanalista em silêncio. O suposto saber vigilante e como testemunha, do contar uma vida e das vicissitudes de uma alma, de um destino.
_ Sou a terceira de três irmãos. Sou a única mulher e talvez, a promessa do futuro garantido, tenha incidido mais em mim. Compreende? Meu Pai era muito generoso e minha mãe ingênua. Não sabiam, não Pensavam que o mundo tem a vocação para mudanças. Assim todo o surpreendente de um mundo diferente abalou toda a estrutura familiar...
Nosso tempo acabou. Volte amanhã. Às três da tarde, está bem? Irina de que...?
Perguntou o analista.
                                                                                                                                      Alberto Pantoja
 

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