quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Constatação

 Ela era demasiadamente bonita, realmente linda. Desde muito cedo tomou gosto por se admirar, por gerar semblantes, projetá-los para o seu entorno, de modo, a imprimi-los na alma de todos. Sempre adorou estar sob chuvas de elogios. Compreendia a vida como palco da beleza, acreditava que nesse palco, haveria sempre, seu lugar garantido.
        Bem nascida, supunha-se escolhida, dona de seu destino. Nada e ninguém, poderia interferir em seu caminho forrado de alegria e ornado de amor. A equação maior e que jamais a deixaria era a certeza: beleza gera esperança e esperança gera felicidade.
        Definitivamente não se daria à tristeza e a angústia jamais a escolheria. Dimensionava-se para além de qualquer agrura, pois forte, altiva e diferenciada de tudo que pudesse sugerir senso comum.
        Ela não se importava com o passado. Ela não se importava com o presente. Ela só dava trela para a certeza do amanhã, o futuro rico de tudo que, pensava, merecia.
        Menina tinha bonecas, suas preferidas eram as Barbies e adorava penteá-las. Moça colecionava revistas e essas, seu espelho, pois se referenciava o tempo todo nas modelos e artistas. Mulher gostava obstinadamente de cuidar de seus cabelos. Seu gosto pelos penteados virara uma obsessão. A cada dia solicitava para si, um corte, ou, um penteado da moda.
        Ninguém tem dúvida dos mistérios da vida e esses estão sempre incidindo em nós de algum modo. Ela não poderia ser uma exceção e não sabia. Sonhava, sonhava... Seu quarto era o ambiente de que realmente gostava. De lá, projetava sua vida, imaginada, para  o mundo.  
       Subitamente, ela começara a amar. Primeiro, o menino vizinho, que passava em baixo de sua janela e que deixou de existir. Começara uma novela nova, um personagem lhe chamava a atenção. Fora paixão pra valer. Motivava insônia, tremor, tristeza, raiva.
        Apaixonou-se sempre sem a mínima sustentabilidade para suas paixões. Amou... Amou desenfreadamente. Mas os gostos não são iguais para todos. Enganava-se e sofria. Sofria muito.
        Insidiosamente a valorização do passado começara a implicá-la e a vida de sonhos e ilusões começou a desmoronar. Assim, tristeza e temor do hoje e do amanhã, ressaltavam- se em seu cotidiano. A amargura se transformava em comportamentos e desesperos. Buscava recursos, prioritariamente, em sua coleção de revistas de imagens das celebridades televisivas. Virava duas páginas e, de imediato vivia a fúria e em seguida a vertigem por não dar conta de se deparar com cabelos belos, viçosos e muito bem penteados. Raivosa rasgava cada página com expressão de crueldade, apenas queria aniquilar a beleza daquelas que significaram modelos para si, em tempos recentes.  
         Ela não sabia para aonde o tempo a levaria. O olhar do pai que acreditava ser o melhor indicador do destino sucumbira.  Compreendia que sempre fora um vetor de existência frágil e que sugeria a dissimulação. O susto maior emergira ao se dar conta que a constante complacência da mãe não seria o que a salvaria. Portanto, solitária e desamparada, se perdia e se abandonava.
        Era manhã de domingo. Manhã chuvosa, escura. A dor no peito referenciava o sofrimento. Não havia pai. Não havia mais mãe. Somente um mundo, para ser errante.
        Andar pelas ruas. Andar pelas noites frias, com medo. Era a prevalência da inconsciência. Caminhava com pressa. Sua mente repleta de imagens, de pensamentos...
        A estranheza a habitava, torturando-a. A opressão de uma existência forjada na pauta da certeza e da garantia. Ela, nas tardes dos dias nublados, passou a atacar os cabelos, bem penteados de todas as moças que se descuidavam de sua presença. Pendurava-se nos fios de cabelos bem tratados e gritava: Bem feito, bem feito!
                                                                                                                                   Alberto Pantoja
 

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